Confesso que faço parte desta nova onda de atletas que descobriram na corrida um nirvana.
O meu pai começou a fazer meias-maratonas aos quarenta por isso tenho na família alguém a quem seguir o exemplo, uma espécie de mentor, líder pelo exemplo e fonte de esperança.
Daquilo vou lendo sobre corrida e motivação - e há tanto para ler sobre isto! - concluo que para lá das vantagens objectivas que todos os convertidos propagam com entusiasmo, existem outras tantas subjectivas que nos asseguram a endurance necessária para vivermos o nosso destino como quem percorre uma estrada.
Quando corro falo comigo/ falo com Deus.
Tenho uma concepção muito própria da religião, comum a muitos dos não praticantes que conheço.
Não entendo a relação com a fé como uma conversa feita de ladainhas e de rituais aborrecidos.
Como quero acreditar que a nossa existência tem um sentido mesmo quando os eventos não se encaixam, recorro à crença numa força superior que nos move, que alinha as nossas rotas, que assegura que nada acontece por acaso, que tudo tem um sentido, ou seja, que o universo conspira a nosso favor mesmo quando duvidamos.
Assim que inicio o treino desligo-me do mundo. Às vezes falo comigo própria, quase sempre para me insultar por ter comido um bolo ou uma feijoada, por me ter deixado dormir no dia anterior ou por não resistir a mais 1 quilómetro. Creio que nalguns momentos estas conversas são interceptadas por esse Deus que por aí anda já que divago para temas mais profundos como a perseverança, o propósito, a resiliência, a capacidade de superação como evidência de uma força que nem sempre me reconheço e de uma energia que nem sempre canalizo em proveito próprio.
Quando corro visualizo.
Suponho que há homens que se imaginam como deuses gregos ou atletas olímpicos medalhados. Não tenho bem a certeza como se imaginam as mulheres... Eu, e sei que o que vou escrever de seguida é mesmo parvo, tento visualizar a gordura a derreter-se no rabo e nas ancas. Quero fazer uma meia-maratona porque sim, por uma questão de ego, mas o que me move a levantar às seis para fazer uma corrida de 10 quilómetros é a possibilidade de queimar todas as calorias ingeridas em delírio gastronómico, livrando a consciência do peso deste pecado que é a gula, por petiscos, pão e chocolate.
Segundo a lei da atracção devemos recorrer a esta técnica de visualização para tudo o que queremos na vida. É claro que a imaginação não é recurso suficiente. É preciso fazer acontecer, meter os pés à estrada.
A corrida permite treinar essa técnica: fixamos uma meta que definimos cada vez mais longa e ousada, estabelecemos um plano de treinos que nos permita alcançá-la, subdividimos o objectivo final em etapas e regozijamo-nos sempre que acrescentamos mil metros ao score.
Por cada meta superada provamos as nós próprios que somos capazes de chegar onde nos propomos.
Assim sejamos capazes de encarar cada dia, como apenas mais um segmento de metros que temos de percorrer para chegar mais longe e mais alto.
O conceito não é novo e fiquei surpreendida por este endereço ainda estar disponível. Afinal o óbvio nem sempre é uma evidência para o comum dos mortais. Confirma-se que as boas ideias, por mais banais e banalizadas, podem sempre ser usadas, recicladas, convertidas em tesourinhos deprimentes ou elevadas ao estatuto de vintage.
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