Antes de mais esclareço que não gosto nada, mesmo nada de futebol. O meu desinteresse é tanto que nem sequer sou capaz de vibrar quando vejo jogar Portugal. Melhor dizendo, não sou sequer capaz de assistir a um jogo da selecção.
Nos dias que correm contudo, é impossível escapar aos bombardeamentos de informação desportiva, nomeadamente aos domingos e segundas à noite, com vários canais a exibirem debates em regime de novela mexicana, com filósofos do suponhamos e do convenhamos, teóricos da bola e do esférico, intelectuais de vão de escada que fazem estudos da análise e diagnósticos do prognóstico, o rescaldo do caldo entornado, a antevisão da jornada ou do raio que o parta, a antecipação da polémica e a medição da força anímica, com vaticínios sobre previsões metereológicas, mapas astrológicas e dicas para o euro-milhões.
Este fim-de-semana* foi impossível não ouvir o gordinho da voz radiofónica a reclamar uma vez mais da má sorte que o persegue, num estilo que oscila entre uma versão dura do Calimero e uma versão branda do Stallone.
O tipo de liderança que pratica o Bruno Carvalho, com as virtudes e falhas de qualquer outra, promove um espírito de vitimização que não se aguenta.
Começo pelas vantagens para que não me tomem por falaciosa.
O rapaz chegou a um clube completamente desintegrado e foi eficaz no árduo trabalho de bricolage de juntar e colar as peças.
(Não conheço o suficiente da história para contextualizar a vitória deste homem, que me parece que ganhou apenas por ser o menos mau dos fracos, mas sei do que ouço que o Sporting passou os últimos tempos a coleccionar derrotas e a fornecer a punch line para muitas anedotas).
O Bruno Carvalho assumiu que a má performance quase crónica da equipa se devia a uma conspiração nacional que descaradamente os prejudicava e diminuía, não à pouca qualidade dos jogadores, à falta de motivação ou à ausência de táctica. Este tipo de desculpas e de argumentos caí bem aos que não têm justificações lógicas e desenvolve um espírito de equipa do "nós, os coitadinhos" - não, "nós, os bons" ou "nós, os invencíveis" - que fomenta um sentimento de grupo isolado e beligerante.
A grande vantagem do Bruno Carvalho é que uniu a equipa. Na sequência do espírito de coesão que instalou reergueu a dignidade do clube e fez as pazes com a massa associativa (linguagem futebolística pura...).
Em contrapartida, ao fomentar a clivagem entre o "nós" e "eles" instigou um clima de hostilidade que mais cedo ou mais tarde lhe vai ser atirado à cara quando o acumular de derrotas já não puder ser justificado com as regras mafiosas do sistema.
Nas empresas há líderes assim: o Director Comercial que faz com que a sua equipa se rebele contra o Marketing; o Director de Marketing que declara guerra aberta ao Director de Produção; o Director Financeiro que vende a alma aos senhores do Conselho de Administração denunciando que todos os outros departamentos actuam em conluio para levar a empresa à falência...
Equipas assim podem funcionar relativamente bem no seu casulo, mas inevitavelmente boicotam-se a si próprias por deliberadamente ignorarem que as empresas, como tudo na vida, funcionam como um sistema.
No man is an island... e é um péssimo capitão aquele que pensa que lhe bastam os seus marinheiros para chegar a bom porto...
*O post vem tarde mas a falta de tempo livre é dramática na última semana do mês
O conceito não é novo e fiquei surpreendida por este endereço ainda estar disponível. Afinal o óbvio nem sempre é uma evidência para o comum dos mortais. Confirma-se que as boas ideias, por mais banais e banalizadas, podem sempre ser usadas, recicladas, convertidas em tesourinhos deprimentes ou elevadas ao estatuto de vintage.
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