segunda-feira, 21 de abril de 2014

O nosso amor egocêntrico pelas marcas


As marcas não desenvolvem relações emocionais com as pessoas; 
as pessoas é que desenvolvem relações emocionais com as marcas.

Tais relações de afecto - de amor-ódio, de paixão-obsessão, de tranquilidade-histeria - só não emergem entre aqueles que não são público-alvo, e que portanto podem viver felizes num qualquer segmento de um outro mercado tangível. Mesmo os consumidores que nutrem sentimentos negativos paradoxais ou antagónicos em relação a uma marca, estão de facto ligados a ela na medida em que não são capazes de ignorar a sua existência, dedicando pois uns minutos curtos ou largos do seu dia a alimentar pequenos ou grandes ódios de estimação, que nos tempos que correm tendem a ser meros soundbytes nos social media.
Na prática, o amor que desenvolvemos por certas marcas, o sentimento que nos leva a ser fãs, seguidores e apóstolos, idolatrando de forma quase pagã os seus criadores (veja-se a Apple) é absurdamente irracional, eventualmente um pecado venial, uma relação unívoca e unilateral a que estratégia alguma de CRM poderá corresponder. 
O valor emocional das marcas está na forma como estas se integram na nossa vida, como se fundem no nosso quotidiano, como por osmose são capazes de expressar quem somos, como nos vemos e como queremos ser percebidos. 
Nós comemos, sorvemos, vestimos, calçamos, passeamos, fruímos, tatuamos marcas.
A relação emocional que estabelecemos com as marcas não precisa de ser correspondida porque o prazer que a marca nos dá é essencialmente egoísta e egocêntrico. Cada marca faz-nos sentir determinadas emoções, transporta-nos para determinado patamar, eleva-nos o ego e a auto-estima, provoca uma miscelânea de estímulos e de sensações, mesmo que o valor objectivo que lhe reconhecemos seja utilitário, básico e minimalista.
Os profissionais que gerem as marcas têm a vantagem (ou devem ter!) de conhecer melhor os seus potenciais consumidores do que cada indivíduo anónimo se conhece a si próprio. 

As marcas sabem quem somos, quem gostaríamos de ser, são capazes de antecipar necessidades e desejos mesmo quando não somos capazes de os verbalizar em público.
As marcas fomentam os estereótipos, fazem-nos rir de nós próprios, ter vergonha do que somos ou experimentar um orgulho exacerbado na pessoa em que nos transformamos. 
A gestão das marcas manipula sentimentos poderosos como o medo, a luxúria, a ganância... criando modelos aspiracionais cuja longitude nos motiva ou frustra, nos mobiliza ou paralisa, nos apaixona ou revolta. 
O investimento emocional na gestão de uma marca é brutal, mas no final do dia tudo não passa de um negócio. 
A marca é um activo que tem de ser rentável independentemente da nobreza das emoções que inspira ou da magnitude de sensações que potencia.
Racionalmente devemos optar pelas marcas mais sociais, mais "amiguinhas, mais verdes, mais eticamente correctas e socialmente responsáveis para não nos sentirmos meros peões neste jogo do mercado capitalista. 
Bullshit!
Nós gostamos da fotogenia e do glamour das marcas, mesmo quando conscientes de que somos manipulados enquanto espectadores e que até pagamos um valor extra por isso.
Nós compramos as marcas que amamos mesmo que os seus produtos sejam feitos por crianças na China (desde que o não saibamos, até porque fazemos um esforço deliberado para o não saber...).
Nós investimos dinheiro, tempo e coração na selecção das marcas que queremos meter dentro da nossa vida, com critérios mais rigorosos do que os que usamos para fazer uma amizade via Facebook.

Nós amamos as marcas e nem sequer precisamos que esse amor seja correspondido: trata-se de uma relação íntima, pessoal, narcisista e intransmissível.




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