domingo, 27 de abril de 2014

O marketing vende felicidade?

Um fenómeno que caracteriza a nossa sociedade é a procura constante da felicidade.
Este fenómeno traduz-se na publicação constante de citações que falam sobre felicidade, na partilha de imagens que evocam instantes felizes, da reportagem fotográfica permanente dos momentos coloridos da nossa vida.
Estou certa de que este é um fenómeno geracional. Se os nossos pais se questionassem tanto sobre o seu grau de felicidade ou sobre a intensidade dos seus sentimentos, a taxa de divórcios teria sido certamente superior e muitos de nós tínhamos pais saltimbancos, artistas ou desaparecidos.
Uma das vertentes na procura da felicidade tem a ver com a espiritualidade, com opções de vida saudáveis, alimentação carregada de brócolos, espinafres, sementes e sumos, com a procura de um bem-estar interior que vai da alma aos intestinos. A outra, mais materialista, tem a ver com sermos capazes de nos proporcionar um determinado estilo de vida, muito glamoroso, com muitos jantares em sítios trendy, com algum enoturismo, férias em destinos exóticos, casas com muitos metros quadrados, carros com extras e estofos em pele, amigos bronzeados e roupas bonitas.
As opções de compra que fazemos têm a ver com essa procura de felicidade: seja o pózinho verde à base de algas para adicionarmos ao sumo detox do dia; sejam os sapatos de uma montra na Avenida da Liberdade que custam tanto quanto o salário mínimo; sejam os ténis de cores garridas para alinharmos na moda das corridas; ou seja o telemóvel com a maçã dentada que fazemos questão de mostrar aos outros como prolongamento natural da nossa existência.
No fundo o que compramos são sentimentos ou sensações.
A pirâmide de Maslow que estudamos terá pois uma segmentação bastante diferente se considerarmos que o que o ser humano contemporâneo procura não é a satisfação de necessidades mas sim de emoções.
Na base da pirâmide estão as coisas.
O estado mais primário de consumo são os bens materiais, todos os objectos e imobilizados que compramos numa vertigem desvairada de posse e de ostentação.
No estado primário o indivíduo acredita que a felicidade deriva daquilo que tem, coleccionando e acumulando tralhas que lhe proporcionam fugazes momentos de felicidade e uma forma muito objectiva de se posicionar na sociedade, integrando-se em determinado grupo.
No segundo nível estarão as experiências.
Depois das viagens pelo Travel vem a necessidade de conhecer o mundo. Supostamente, as emoções que se experimentam numa viagem têm prazo de validade mais longo do que as que se experimentam momentaneamente ao adquirir uma coisa, daí que os indivíduos que passam do ter para o vivenciar estejam realmente uns graus de felicidade acima dos que se limitam a comprar bens corpóreos e tangíveis.
O terceiro nível da pirâmide não tem nada a ver com compras nem com consumo.
Na pirâmide de Maslow original evoluímos das necessidades básicas para as de auto-estima, um patamar de carências mais elevado, não comum a todos os seres humanos, com múltiplas cambiantes em peso e em medida.
No mundo cosmopolita em que nos movimentamos, depois de ter tudo e de fazer tanto descobrimos um certo luxo no acto de não consumir.
Existe de facto um certo prazer perverso na opção de não compra, desde que seja uma decisão deliberada de rejeição de uma oferta e não uma contenção imposta pelo crédito ou pela liquidez. Depois de termos sido materialistas e descobrirmos que afinal a felicidade não está nos patamares anteriores, procuramos o bem-estar através da simplicidade e do minimalismo.
Provavelmente gastaremos tanto ou mais dinheiro do que esbanjávamos nos estádios anteriores, mas somos mais selectivos nas escolhas, mais organizados nas compras, mais cerebrais do que impulsivos, e este domínio sobre nós próprios, este património de certezas absolutas com controle rigoroso sobre as dívidas, torna-nos seres superiores, elevados da mediocridade numa sociedade confusa entre a ostentação e o desperdício.
Quando somos capazes de poupar dinheiro descobrimos uma certa sensação de felicidade, muito parecida com a de alívio, pelo facto de garantirmos alguma estabilidade que nos permite fazer face à incerteza do futuro.
Se a geração Yummi anda preocupada com o presente e com o viver intensamente cada dia, a geração dos quarenta e tais assusta-se com a conjuntura dominante, preocupa-se com o desemprego, com a reforma e com a doença, vislumbra que o futuro não chega depois de uma progressão geométrica ascendente mas é antes o corolário de uma penosa descida.
Quando passamos da compra para a não compra voluntária descobrimos que somos mais fortes, menos vulneráveis. Como nos tornamos menos fúteis e menos extravagantes acreditamos que ao nível da espiritualidade também evoluímos.
O marketing vende a felicidade? Sim.
Esta evidência é mais fácil nos estágios um e dois, na fase dos bens e dos serviços, mas existe também um marketing mais sofisticado para os consumidores no topo da pirâmide, os do pózinho verde para os sumos e dos ténis high tech para corridas. Este segmento global, composto por múltiplos nichos apetecíveis, carece de um marketing pedagógico, com conteúdo e credibilidade, capaz de orientar escolhas num universo topo de gama de alternativas.

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