terça-feira, 29 de abril de 2014

Holy chic! (ou marketing de luxo) - parte II

"If you wear nice shoes you enter nice places".
O fascínio das marcas de luxo é precisamente este: a possibilidade de ascendermos socialmente a uma casta de privilegiados, de nos sentirmos ricos e famosos, de nos fazermos chiques, quase bonitos, fúteis e glamorosos.
É evidente que as marcas de luxo estão associadas a produtos de qualidade superior - nem sempre tanta quanto o seu preço corrobora -, mas a grande vantagem competitiva destes produtos não tem nada a ver com as suas características físicas.
O valor das marcas de luxo está no manancial de 
emoções afrodisíacas que evocam. 
Supostamente um produto que ostenta uma marca dita de luxo, conceito este que até tem alguma elasticidade, deverá ser superior a outro equivalente com uma marca de produção em massa ou com uma marca tão anónima que passa por "branca".
Por exemplo, eu faço as minhas compras regulares entre o Pingo Doce, o Lidl e o Continente, mas quando recebo em casa visitas especiais, ou quando sou convidada para jantar em casa de alguém, recorro às prateleiras de Club del Gourmet no El Corte Inglês onde sei que vou encontrar produtos de excelente qualidade ainda que mais caros do que os sucedâneos da concorrência. Provavelmente existem produtos de qualidade equivalente na distribuição moderna que frequento, mas o facto de determinada marca ser vendida no Club del Gourmet confere-lhe imediatamente um estatuto premium que justifica um preço mais alto.
A própria experiência de compra no Club del Gourmet é em si mesma única e diferenciada. Quem compra marcas de luxo, ou pelo menos marcas acima da média, pretende ser tratado com alguns requintes de deferência...
O que as marcas de luxo proporcionam é pois uma percepção de qualidade intrínseca e uma experiência emocional valiosa.
A ida ao supermercado acaba por ser um exemplo demasiado básico.
O conceito de luxo pressupõe a noção de exclusividade, de acesso selecionado, de produção escassa, de manufactura ou de produção artesanal, de edições limitadas ou de peças taylor made, atributos que alimentam o ego e elevam a auto-estima de quem as compra
Muitas marcas caíram na tentação do licenciamento e acabaram por sair desvalorizadas aos olhos dos consumidores.
O exemplo que mais facilmente me ocorre é o da Pierre Cardin que actualmente até serve para alguns brindes made in China que se oferecem sem critério como merchandising
Existem marcas premium massificadas e marcas de luxo.
Os licenciamentos democratizam o acesso às marcas em suaves prestações, permitindo por exemplo que alguém que se veste na H&M seja o digno titular de uns legítimos óculos Prada.
Contudo, os que apreciam verdadeiramente uma marca supostamente luxuosa, esperam que esta se mantenha num mundo paralelo de acesso condicionado, envolta numa aura que a transporta para o universo imaginário dos chiques e das elites.
Muitas marcas de luxo de moda desenvolvem inclusivamente duas linhas paralelas: a dos aspirantes a consumidores e a dos fãs incondicionais, a dos que conseguem adquirir apenas algumas peças ao longo da vida e a dos que se quiserem compram cada colecção completa.
Uma outra alternativa é a extensão da marca-mãe como fizeram a Giorgio Armani com a Armani Exchange ou a Roberto Cavalli com a Just Cavalli.
Contudo, esta descida de segmento, que por certo gera maiores lucros ao viabilizar a produção em série e as economias de escala, incorre em riscos de desvalorização do activo principal com danos que só a médio prazo são quantificáveis.
O marketing das marcas de luxo é altamente sensível: por um lado, há que manter o pedigree, assegurar que a marca se mantém pura; por outro, há que renovar, fomentar a inovação e a novidade, comunicar a marca e torná-la visível, para a manter "na boca do mundo" e preservar a sua notoriedade.
O marketing das marcas de luxo não pretende apenas gerar apetência para a compra mas também valorizar a marca em si, como activo para lá dos produtos com etiqueta, garantindo que esta permanece desejável e aspiracional como símbolo de um lifestyle mais amplo e consistente do que qualquer tendência.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

O marketing pessoal vende pessoas felizes?

Se o marketing vende felicidade então nós devíamos ser capazes de utilizar o marketing pessoal como ferramenta para sermos mais felizes.
O marketing pessoal trata da forma como nos posicionamos perante os outros e o quanto somos consistentes na proposição de serviço* que lhes apresentamos.
O marketing pessoal trata das qualidades que queremos valorizar mas não se limita à personalidade profissional.
Na amizade, no amor, em todas as relações interpessoais dos mais variados tipos proporcionamos aos outros uma experiência, algum tipo de emoção com significado, cuja magnitude e impacto nem sempre dominamos a nosso favor.
O marketing pessoal é uma estratégia de desenvolvimento consciente das emoções que queremos desencadear nos outros.
O marketing trata da gestão de experiências e nós enquanto seres humanos somos laboratórios vivos de sensações e de combinações químicas.
O primeiro passo do marketing pessoal é amar a nossa marca!
A definição da marca começa pela identificação de todas as qualidades e características que a diferenciam.
No marketing pessoal existe um trabalho prévio de introspecção, de auto-conhecimento, para definir quem somos, como somos, que pontos fracos temos de melhorar e quais os pontos fortes que devemos optimizar, destacar e valorizar de forma a sermos melhores pessoas e a sermos percebidos como tal pelos outros.
O ideal é que durante esse processo de identificação de qualidades não sejamos reféns da tentação de construir uma persona que tem sucesso social, é apreciada e recrutada mas que no final é apenas uma parcela forjada do que somos como um todo.
A felicidade absoluta é uma quimera. 
Se a felicidade absoluta é um conceito cósmico e infinito então temos de almejar uma felicidade relativa, viável, tangível. A felicidade q.b. resulta de uma combinação equilibrada entre todos os critérios ambivalentes que identificamos como determinantes para a felicidade possível. Complicado? Não.
Durante anos achei que a minha felicidade se media pelo salário, pela cilindrada do carro e pelos fringe benefits. Hoje sou feliz com um salário que me paga as despesas fixas e me permite manter um reajustado estilo de vida, pois descobri que muitos dos factores que tinha como fundamentais para a minha felicidade eram apenas argumentos sociais que me permitiam obter reconhecimento e prestígio.
A vaidade não é uma variante da felicidade, daí que tantas pessoas descubram o quão felizes podem ser quando voluntariamente fazem um downshifting.
Ao contrário do que somos levados a acreditar pelos modelos sociais vigentes, a felicidade não tem como fonte primordial o nosso status e a nossa carreira. Somos demasiado exigentes connosco próprios e força-mo-nos até à exaustão tentando ser bons profissionais, bons pais, bons maridos/mulheres, bons filhos, bons irmãos e bons amigos, sendo que a performance que esperamos é a excelência e não um "satisfaz +".
Somos infelizes porque somos humanos e nos exigimos uma performance de deuses. 
Se aceitarmos a nossa condição de mortais com falhas e pecados, se entendermos que a única opinião importante é a das pessoas que nos amam e respeitam incondicionalmente, então retiramos da nossa escala uma série de critérios que são fonte de frustração e de stress.
Em síntese, temos de ter uma marca pessoal, uma marca que revela quem somos na nossa original autenticidade e não uma pessoa plástica, com características e propriedades manipuladas em função das expectativas de anónimos.
A pessoa real que somos tem de ter valor, sendo certo que a esse valor corresponde um rácico custo-benefício, entre o quanto estamos dispostos a abdicar em termos materiais e sociais a favor de uma existência mais pacífica e feliz.
Tentar fazer um marketing pessoal orientado para a felicidade não equivale a adoptar um estilo de vida hippie (as empresas socialmente responsáveis não deixam de estar orientadas para o lucro).
Ser uma marca feliz é apenas identificar os alicerces para a felicidade, calibrando as qualidades que nos diferenciam e valorizam para conseguir erguer uma casa com telhado e com alma que nos abrigue até ao fim dos nossos dias.

 *"Serviço" em sentido lato, entenda-se!




domingo, 27 de abril de 2014

O marketing vende felicidade?

Um fenómeno que caracteriza a nossa sociedade é a procura constante da felicidade.
Este fenómeno traduz-se na publicação constante de citações que falam sobre felicidade, na partilha de imagens que evocam instantes felizes, da reportagem fotográfica permanente dos momentos coloridos da nossa vida.
Estou certa de que este é um fenómeno geracional. Se os nossos pais se questionassem tanto sobre o seu grau de felicidade ou sobre a intensidade dos seus sentimentos, a taxa de divórcios teria sido certamente superior e muitos de nós tínhamos pais saltimbancos, artistas ou desaparecidos.
Uma das vertentes na procura da felicidade tem a ver com a espiritualidade, com opções de vida saudáveis, alimentação carregada de brócolos, espinafres, sementes e sumos, com a procura de um bem-estar interior que vai da alma aos intestinos. A outra, mais materialista, tem a ver com sermos capazes de nos proporcionar um determinado estilo de vida, muito glamoroso, com muitos jantares em sítios trendy, com algum enoturismo, férias em destinos exóticos, casas com muitos metros quadrados, carros com extras e estofos em pele, amigos bronzeados e roupas bonitas.
As opções de compra que fazemos têm a ver com essa procura de felicidade: seja o pózinho verde à base de algas para adicionarmos ao sumo detox do dia; sejam os sapatos de uma montra na Avenida da Liberdade que custam tanto quanto o salário mínimo; sejam os ténis de cores garridas para alinharmos na moda das corridas; ou seja o telemóvel com a maçã dentada que fazemos questão de mostrar aos outros como prolongamento natural da nossa existência.
No fundo o que compramos são sentimentos ou sensações.
A pirâmide de Maslow que estudamos terá pois uma segmentação bastante diferente se considerarmos que o que o ser humano contemporâneo procura não é a satisfação de necessidades mas sim de emoções.
Na base da pirâmide estão as coisas.
O estado mais primário de consumo são os bens materiais, todos os objectos e imobilizados que compramos numa vertigem desvairada de posse e de ostentação.
No estado primário o indivíduo acredita que a felicidade deriva daquilo que tem, coleccionando e acumulando tralhas que lhe proporcionam fugazes momentos de felicidade e uma forma muito objectiva de se posicionar na sociedade, integrando-se em determinado grupo.
No segundo nível estarão as experiências.
Depois das viagens pelo Travel vem a necessidade de conhecer o mundo. Supostamente, as emoções que se experimentam numa viagem têm prazo de validade mais longo do que as que se experimentam momentaneamente ao adquirir uma coisa, daí que os indivíduos que passam do ter para o vivenciar estejam realmente uns graus de felicidade acima dos que se limitam a comprar bens corpóreos e tangíveis.
O terceiro nível da pirâmide não tem nada a ver com compras nem com consumo.
Na pirâmide de Maslow original evoluímos das necessidades básicas para as de auto-estima, um patamar de carências mais elevado, não comum a todos os seres humanos, com múltiplas cambiantes em peso e em medida.
No mundo cosmopolita em que nos movimentamos, depois de ter tudo e de fazer tanto descobrimos um certo luxo no acto de não consumir.
Existe de facto um certo prazer perverso na opção de não compra, desde que seja uma decisão deliberada de rejeição de uma oferta e não uma contenção imposta pelo crédito ou pela liquidez. Depois de termos sido materialistas e descobrirmos que afinal a felicidade não está nos patamares anteriores, procuramos o bem-estar através da simplicidade e do minimalismo.
Provavelmente gastaremos tanto ou mais dinheiro do que esbanjávamos nos estádios anteriores, mas somos mais selectivos nas escolhas, mais organizados nas compras, mais cerebrais do que impulsivos, e este domínio sobre nós próprios, este património de certezas absolutas com controle rigoroso sobre as dívidas, torna-nos seres superiores, elevados da mediocridade numa sociedade confusa entre a ostentação e o desperdício.
Quando somos capazes de poupar dinheiro descobrimos uma certa sensação de felicidade, muito parecida com a de alívio, pelo facto de garantirmos alguma estabilidade que nos permite fazer face à incerteza do futuro.
Se a geração Yummi anda preocupada com o presente e com o viver intensamente cada dia, a geração dos quarenta e tais assusta-se com a conjuntura dominante, preocupa-se com o desemprego, com a reforma e com a doença, vislumbra que o futuro não chega depois de uma progressão geométrica ascendente mas é antes o corolário de uma penosa descida.
Quando passamos da compra para a não compra voluntária descobrimos que somos mais fortes, menos vulneráveis. Como nos tornamos menos fúteis e menos extravagantes acreditamos que ao nível da espiritualidade também evoluímos.
O marketing vende a felicidade? Sim.
Esta evidência é mais fácil nos estágios um e dois, na fase dos bens e dos serviços, mas existe também um marketing mais sofisticado para os consumidores no topo da pirâmide, os do pózinho verde para os sumos e dos ténis high tech para corridas. Este segmento global, composto por múltiplos nichos apetecíveis, carece de um marketing pedagógico, com conteúdo e credibilidade, capaz de orientar escolhas num universo topo de gama de alternativas.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Geração Yammi

Esta categoria é inventada por mim (creio ser uma originalidade...).
Incluo na geração Yammi este bando de gente que subitamente se apaixonou pela cozinha, pelos ingredientes gourmet, pelas artes culinárias e pela estética do empratamento.
Não sei se o fenómeno começou pela Bimby ou se pelos programas MasterChef. O que tenho como certo é que existe um incomparável número de "chefs de fim-de-semana", que fervorosamente pesquisam e partilham receitas na net, a maior parte deles rendidos à magia dos robots que revolucionaram os hábitos alimentares de muitas famílias.
Confesso que sou forreta. Por outras palavras: sou selectivamente forreta.
Para algumas coisas sou indiferente ao preço (dentro dos limites do cartão de crédito!), para outras faço uma análise custo-benefício rigorosa que normalmente passa por "destrocar" o valor do investimento num determinado bem por um pacote de férias ou por uma tarde de compras no El Corte Inglês.

Perante tal análise comparativa resisti à tentação de comprar uma Bimby. Em primeiro lugar porque privilegiei as escapadinhas em pousadas de Portugal e as 7 noites em regime tudo incluído; em segundo lugar porque andando eu em dieta permanente supus que abrir as portas de casa a uma panela demoníaca na arte de fazer doces me poderia complicar o regime alimentar dos legumes e leguminosas, já de si bem difícil. Quando surgiu a Yammi porém, não resisti!
Durante os primeiros tempos fui do tipo de fada do lar que fez pão, bolos, entradas, sopas e pratos com o seu quê de sofisticados, fotografando e divulgando no Instagram imagens de comida com aspecto sensacional sem necessidade de retoque.
Hoje utilizo a Yammi de forma mais moderada mas, como a maior parte das pessoas que conheço, sou mais criativa nas refeições que preparo, sendo mais ousada nas alquimias com especiarias e muito mais sofisticada nas técnicas de confecção e de apresentação das comidas.
Lembro-me que quando tinha vinte anos afirmava que não sabia cozinhar quase como se fosse um grito de rebeldia. Contestava eu que não me revia na posição de dona-de-casa, condenada à rotina diária dos jantares e ao frete descomunal dos almoços de família.
Aos trinta já exibia com orgulho os meus dotes culinários apesar de me parecer paradoxal este interesse pelas receitas em detrimento dos pratos congelados e das refeições rápidas quando o meu maior propósito era uma carreira profissional como executiva.
Chegada aos quarenta assumo a paixão pela comida. Ponto final.
Adoro comer e cozinhar, leio imenso sobre alimentação e experimento sem preconceitos ingredientes, sementes e outras mixórdias impensáveis na senda de uma dieta saudável mas saborosa e colorida.
O que me pasma na geração que antecede a minha é idêntica paixão gastronómica, a paciência para fazer compras nos mercados locais, a entrega ao acto de cozinhar como tarefa de casal, daquelas que alimentam a paixão, se fundem com a intimidade, e no fundo se revelam tão importantes quanto o sexo e as carícias.
Não tenho dúvidas em afirmar que existe uma geração Yammi, de jovens maduros e de maduros enxutos, que vê na comida um prazer para além das chafurdices à "Nove semanas e meia", que se apaixona e se envolve entre tachos e robots mágicos, enquanto degusta com calma um generoso vinho tinto.


Geração Yummy

Confesso que adoro siglas, que sou fã desta forma norte-americana de catalogar seres humanos, de os encaixar em segmentos estereotipados, mesmo estando consciente dos riscos e falácias deste tipo de generalizações.
Um dos grupos que identifica a malta nascida na década de 80 é a geração Y, também conhecida por millenials.
Estes putos tiveram a sorte de nascer numa época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade económica, filhos de papás workaholics, com rendimento acima da média, inebriados pelo crédito fácil e pelas imensas possibilidade dos cartões de plástico. Estes são os miúdos das actividades extra-curriculares, das Nintendos e das Playstations, do canal Panda, das botas Timberland e pólos GAP, dos i-pods, i-phones e i-pads, dos colégios particulares, das festas privadas, dos vestidos curtos, dos mocassins e dos blazers.
Esta malta das selfies, cujos pais potenciaram a vaidade através da obsessão por marcas e etiquetas, são os recém-licenciados difíceis que não se enquadram no mercado de trabalho, essencialmente porque a oferta é escassa, mas também porque desenvolveram um conceito glamoroso da vida que não tem correspondência no mundo real.
Segundo a Bloomberg BusinessWeek este grupo de miúdos mimados tem potencial para se transformar num lucrativo segmento de mercado. A HSBC inventou já uma categoria para os Young Urban Males - os Yummies -,
um grupo de consumidores acostumado desde sempre a marcas de gama média-alta, cuja ambição material não será uma casa, nem sequer um carro, mas antes fatos Boss, stilettos Louboutin,  acessórios e trapinhos da Gucci e da Prada.
Conheço alguns espécimens desta geração que conseguiram evoluir da Massumi Dutti para a Fashion Clinic com o financiamento dos pais, que aguentam os descendentes em casa mais anos do que é desejável ou suposto. Mas a verdade é que muitos dos pais pseudo-milionários que criaram os filhos como burgueses abastados numa época que foi de abundança e de prosperidade para todos, passam hoje por algumas dificuldades, nalguns casos dramáticas, sendo por isso obrigados a um downshifting geral que não é compatível com esta apetência para o luxo.
Vivemos numa sociedade com forte propensão para a bipolaridade, com consumidores de promoções, talões de desconto e saldos, a financiarem a sua luxúria e futilidade nos outlets, stock-off markets e hard discount shops virtuais, mesmo que a manutenção do aparato social signifique a multiplicação dos créditos, das hipotecas e das dívidas.
Apesar da troika e dos cortes radicais, existe de facto um amplo grupo de consumidores que continuam a não resistir às tentações do marketing que, convenhamos, tornam a vida muito mais bonita...



segunda-feira, 21 de abril de 2014

O nosso amor egocêntrico pelas marcas


As marcas não desenvolvem relações emocionais com as pessoas; 
as pessoas é que desenvolvem relações emocionais com as marcas.

Tais relações de afecto - de amor-ódio, de paixão-obsessão, de tranquilidade-histeria - só não emergem entre aqueles que não são público-alvo, e que portanto podem viver felizes num qualquer segmento de um outro mercado tangível. Mesmo os consumidores que nutrem sentimentos negativos paradoxais ou antagónicos em relação a uma marca, estão de facto ligados a ela na medida em que não são capazes de ignorar a sua existência, dedicando pois uns minutos curtos ou largos do seu dia a alimentar pequenos ou grandes ódios de estimação, que nos tempos que correm tendem a ser meros soundbytes nos social media.
Na prática, o amor que desenvolvemos por certas marcas, o sentimento que nos leva a ser fãs, seguidores e apóstolos, idolatrando de forma quase pagã os seus criadores (veja-se a Apple) é absurdamente irracional, eventualmente um pecado venial, uma relação unívoca e unilateral a que estratégia alguma de CRM poderá corresponder. 
O valor emocional das marcas está na forma como estas se integram na nossa vida, como se fundem no nosso quotidiano, como por osmose são capazes de expressar quem somos, como nos vemos e como queremos ser percebidos. 
Nós comemos, sorvemos, vestimos, calçamos, passeamos, fruímos, tatuamos marcas.
A relação emocional que estabelecemos com as marcas não precisa de ser correspondida porque o prazer que a marca nos dá é essencialmente egoísta e egocêntrico. Cada marca faz-nos sentir determinadas emoções, transporta-nos para determinado patamar, eleva-nos o ego e a auto-estima, provoca uma miscelânea de estímulos e de sensações, mesmo que o valor objectivo que lhe reconhecemos seja utilitário, básico e minimalista.
Os profissionais que gerem as marcas têm a vantagem (ou devem ter!) de conhecer melhor os seus potenciais consumidores do que cada indivíduo anónimo se conhece a si próprio. 

As marcas sabem quem somos, quem gostaríamos de ser, são capazes de antecipar necessidades e desejos mesmo quando não somos capazes de os verbalizar em público.
As marcas fomentam os estereótipos, fazem-nos rir de nós próprios, ter vergonha do que somos ou experimentar um orgulho exacerbado na pessoa em que nos transformamos. 
A gestão das marcas manipula sentimentos poderosos como o medo, a luxúria, a ganância... criando modelos aspiracionais cuja longitude nos motiva ou frustra, nos mobiliza ou paralisa, nos apaixona ou revolta. 
O investimento emocional na gestão de uma marca é brutal, mas no final do dia tudo não passa de um negócio. 
A marca é um activo que tem de ser rentável independentemente da nobreza das emoções que inspira ou da magnitude de sensações que potencia.
Racionalmente devemos optar pelas marcas mais sociais, mais "amiguinhas, mais verdes, mais eticamente correctas e socialmente responsáveis para não nos sentirmos meros peões neste jogo do mercado capitalista. 
Bullshit!
Nós gostamos da fotogenia e do glamour das marcas, mesmo quando conscientes de que somos manipulados enquanto espectadores e que até pagamos um valor extra por isso.
Nós compramos as marcas que amamos mesmo que os seus produtos sejam feitos por crianças na China (desde que o não saibamos, até porque fazemos um esforço deliberado para o não saber...).
Nós investimos dinheiro, tempo e coração na selecção das marcas que queremos meter dentro da nossa vida, com critérios mais rigorosos do que os que usamos para fazer uma amizade via Facebook.

Nós amamos as marcas e nem sequer precisamos que esse amor seja correspondido: trata-se de uma relação íntima, pessoal, narcisista e intransmissível.




domingo, 13 de abril de 2014

Um país pode ser uma marca?

Uma marca é uma impressão digital.
A marca identifica um produto, uma coisa, um serviço, um sítio, uma pessoa, uma empresa, um estilo de vida...
Basicamente podemos associar uma marca a uma série de bens, tangíveis ou intangíveis, objectivos ou subjectivos, finitos e físicos ou relativos e incorpóreos.
Os países também podem ser marcas, porque o querem e procuram... ou porque simplesmente lhes acontece, na sequência de uma cultura consistente orientada para uma força ou vantagem competitiva que o mundo reconhece e identifica de forma espontânea.
Portugal procura há algum tempo desenvolver-se como marca.
Ninguém dúvida que os nossos vinhos são óptimos, que o azeite é excelente, que os sapatos são de extrema qualidade, que somos bons e versáteis na produção têxtil... 
O problema é que Portugal, por inequívoca culpa dos portugueses - provavelmente o povo mais crítico e anti-nacionalista que conheço - cultivou durante anos uma imagem negativa de gente pobre e pouco produtiva, básica na escolaridade e fraca em iniciativa. 
Enquanto destino turístico, apesar das paisagens extraordinárias, das praias a perder de vista, do património histórico e da inebriante gastronomia, permitimos que durante décadas os estrangeiros nos vissem como uma espécie de praia espanhola com crescimento imobiliário desgovernado e um povo de bigode, afável mas mediano, conformado com a má sorte e os "-inhos" desta vida.
A marca de um país baseia-se em recursos humanos e naturais. 
Infelizmente para nós, que até temos um certo charme latino e vivemos num país com muitos recantos mágicos, fazer de um país uma marca forte depende muito de um outro factor que não é aleatório nem espontâneo: a logística/infra-estruturas.
As infra-estruturas não são apenas as estradas como acreditaram certos Governos que nos amaldiçoaram até ao fim dos nossos dias. Um país forte é consistente nas infra-estruturas ditas pesadas - boas estradas, formas de comunicação optimizadas, fontes energéticas sólidas, um domínio da água, do ar e da terra -, mas também é distinto em infra-estruturas ditas soft, como a economia, a educação, a saúde, a justiça... Convém também que o seu povo se distinga de alguma forma dos outros por alguma característica ou capacidade singular, como se destacam os italianos pela sua apetência para a moda ou os russos pela sua superioridade no desporto.
Portugal tem muitas debilidades a nível infra-estrutural... mas talvez não tantas como crêem os portugueses. Quanto aos seus habitantes, se retiramos os que não cantam o fado, fica um pouco nebulosa a identificação dessa qualidade nacional que nos diferencia dos espanhóis e dos gregos.
maior vantagem competitiva de Portugal não são as praias, nem a comida nem os sapatos mas sim um património que esta nação foi capaz de difundir à escala mundial com um valor mais elevado do que milhões de litros de vinho ou de azeite: a língua portuguesa.

Portugal já foi grande, maior do que as suas próprias fronteiras. O que resta dessa grandeza é um orgulho envergonhado, alguns nomes de ruas e um incontável acervo de ruínas. Ficou também uma herança com a qual podemos definitivamente perpetuar-nos como marca internacional: o português.
A substituição de uma imagem de Portugal enquanto país fraco, de pescadores, de operários e mulheres de buço, pela percepção de uma nação forte e de vanguarda, é um trabalho árduo que não se consegue com a comunicação institucional, que invariavelmente evoca Sintra e o Algarve como cartões postais de um país pequenino, mas antes com a elevação da cultura escrita e falada, com a divulgação de artistas que nos cantam e pintam, com a difusão do talento que com suas notas e traços de raíz lusitana deixa uma indelével marca de identidade no mundo.
Naturalmente este trabalho a favor da notoriedade e do reconhecimento não é imediato. Os progressos tendem a ser ténues, dificilmente mensuráveis, de resultados nem sempre óbvios ou animadores. Mas o resultado final, aquilo que se pode esperar a partir do momento em que tudo o que "fala português" seja reconhecido e apreciado, é a associação de Portugal a uma marca histórica, épica, gloriosa, culturalmente soberana, mais alta e mais ampla do que uma herdade alentejana ou do que um socalco vinhateiro no Douro.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

As boas ideias copiam-se

Repito imensas vezes a frase que utilizei para título deste post.
Quando descobrimos uma táctica que funciona, uma forma de fazer algo de forma eficiente e produtiva, então devemos replicar esse processo tantas vezes e a tantas coisas quanto possível.
A opção por copiar as fórmulas que funcionam é uma espécie de plágio sem dolo.
Na prática, como o que gostamos mesmo é de ser originais e criativos, ser humano algum resiste à tentação de repetir ou de imitar sem acrescentar ao acto o seu próprio cunho.
Eu, por exemplo, sou incapaz de seguir uma receita culinária sem adulterar as quantidades ou substituir um ou outro ingrediente
O nosso ego é grande demais para nos permitir fazer um copy-paste estéril e inócuo das coisas, mesmo das mais básicas e simples. 
Nada é verdadeiramente novo mas sim uma cópia adulterada do antigo, potencialmente melhorada mas não necessariamente melhor do que original.
As más línguas insinuam, por exemplo, que o i-pod que foi uma novidade bombástica há uns anos não é mais do que uma reinvenção do rádio a pilhas que tanto sucesso faz entre os reformados nos bancos dos jardins.
A inovação está na forma como se "cola" a ideia que se "copia".
Nas empresas a procura da inovação através da arte de bem copiar é uma responsabilidade que deve ser feita com disciplina e método.
A existência de equipas multidisciplinares e o fomento de sessões de brainstorming é uma excelente forma de incentivar a criatividade pois permite que diferentes olhares "copiem" e "colem" a mesma coisa.
Os ditos especialistas em investigação e desenvolvimento, os pseudo-cientistas, os "ratos de laboratório", os curiosos ou os engenheiros, fogem tanto da cópia descarada que muitas vezes falham ao tentar fazer melhor uma coisa que o mercado já classifica como satisfatória.
A inovação na maior parte dos casos não está em aperfeiçoar a função base mas sim em acrescentar atributos e profundidade às funções acessórias.
Veja-se o caso do i-pod que como função principal tem exactamente a mesma de um rádio portátil: dar música.
No fundo vivemos num mundo que é um remix, um remake, um upgrade, um restyling ou um "whatever" de algo que já existia antes de termos nascido.




terça-feira, 8 de abril de 2014

Brand yourself

As tatuagens são tão moda que já existem vários programas de televisão dedicados à arte e aos artistas das agulhas com tinta.
Há uns anos surgiu a designação de human branding para classificar este processo de gravação que mais não faz do que queimar a pele de um ser humano vivo deixando sobre a derme uma cicatriz perpétua consentida.
Não sou fã desta tendência e imagino que muitas das pessoas que voluntariamente se marcam para homenagearem algo ou alguém invariavelmente se arrependem com o tempo, quer porque os gostos mudam quer porque as pessoas, as coisas e as memórias passam, perdendo o protagonismo ou a significância que um dia tiveram.
Seja como for, fazer uma tatuagem sobre a pele pode ser equiparado a um acto de marketing:

1. Uma tatuagem identifica o seu portador
Qualquer tatuagem, mesmo que escolhida em catálogo e repetida pelo artesão vezes sem conta, é marca única, pessoal e intransmissível, indissociável daquele que a exibe.
Nos produtos, as marcas exercem exactamente a mesma função 
diferenciando sucedâneos através de um nome tatuado numa embalagem com identidade própria.

2. Uma tatuagem tem uma carga emocional simbólica
Nem todas as tatuagens são feitas por amor, para honrar um ente querido ou para perpetuar uma paixão que se acredita eterna (que o diga a Angelina Jolie!). Sucede porém que grande parte das pessoas atribuem um qualquer significado emocional às "borboletas, caracteres e cartoons" que tatuam na pele, fazendo questão de revelar aos outros que a marca que elegeram tem afinal profundidade e sentido.
Também nas marcas a existência de uma história, de um princípio com enredo 
e de um final conclusivo é uma fonte de ligação do consumidor ao produto, 
um laço emocional que eventualmente gera vendas, fideliza e faz os stakeholders felizes.

3. Uma tatuagem gera uma afinidade com um grupo
O grupo primário de identificação será o dos tatuados versus o dos comuns mortais que se limitam a vestir a pele que Deus lhes deu. Quem faz uma tatuagem (ou um piercing) sente-se como uma espécie de iluminado, de rebelde, de infant terrible, falando dessa sua predisposição para se auto-mutilar como um acto de coragem ou de rebeldia. Algumas tatuagens vão mais longe e identificam pessoas de um gang ou grupo, conotação esta nem sempre positiva.
As marcas são identificadoras de tribos, de estratos sociais, de lifestyles, de atitude perante a vida, de poder económico e de estatuto. Exibimos marcas para nos mostrarmos como somos, 
melhor dizendo, esperamos que as marcas que usamos nos definam.

Há quem faça branding através das marcas que veste, dos gadgets que compra, dos automóveis que guia ou do colégio dos filhos. Há quem sublinhe tudo isto com uma assinatura na pele, que ficará agarrada à personalidade do portador para todo o sempre ou até à cirurgia reconstrutiva...


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Conta-me uma história...

Para pessoas como eu - que deliram com a escrita e se fascinam com o potencial das palavras que se ligam em frases - esta tendência do content marketing é uma espécie de "nova praia".
O problema com as praias que são novas é que ou estão cheias de gente porque são moda ou estão assustadoramente vazias por serem incógnitas. Num caso ou noutro, entre o excesso de caras e corpos ou a solidão feita de areia e gaivotas, ninguém nos nota. Isto é, entre a multidão somos anónimos, se estamos isolados não temos a quem passar mensagens.
Assumindo que a ausência de seres humanos à distância de um toque é falsa questão num universo que se liga pela www, o maior dilema daqueles que fazem o marketing através do desenvolvimento de conteúdos é conseguir quebrar o muro de mensagens pop-up que disputam uns segundos de notoriedade.
O maior desafio do marketeer não é criar uma mensagem que seja notada porque entre pernas, mamas, crianças, cães ou paisagens deslumbrantes, lá se há-de conseguir encontrar uma conjugação de letras em fonte e cor apropriadas, capaz de ficar na retina de uns quantos consumidores.
A dificuldade está em ficar na memória.
Todos os dias somos confrontados com incontáveis mensagens e solicitações.
Em relação a muitas das mensagens directas ou subliminares com que nos cruzamos somos incapazes de evocar um nome, frase ou imagem segundos depois do contacto visual. A exposição a conteúdos é mais ou menos similar ao fenómeno da rádio: ouvimos a música como banda sonora, no carro ou no escritório, mas dificilmente recordamos a música que passou antes da que estamos a ouvir naquele momento. Às vezes nem nos damos conta que o rádio está ligado!
Uma mensagem só é memorizada quando nos comove.
Não é necessário que a mensagem nos faça rir ou chorar, é suficiente que nos provoque um sorriso, uma sensação de conforto ou de bem-estar, eventualmente um choque, susto ou confronto. Somos capazes de trautear as músicas que nos fazem felizes ou de morder o lábio quando ouvimos os acordes que nos atiram para um episódio infeliz.
O denominador comum de qualquer memória é a história.
No marketing como na vida não queremos detalhes aborrecidos, pormenores que não acrescentam um ponto ao conto. Provavelmente queremos ser enganados ou apenas entretidos, ansiamos por surpresas, por finais felizes, por sorrisos incontidos ou lágrimas no canto do olho.
Em relação aos produtos e às marcas não estamos verdadeiramente interessados na qualidade, nas características intrínsecas, nas vantagens do produto, na responsabilidade social ou na ética. Queremos tudo isso, é claro, mas só ficamos convencidos quando o conteúdo que a marca comunica nos envolve, eleva ou emociona.
Resumindo: é mais interessante assistir à novidade que a mulher traz para casa agarrada a um menu Happy Meal do que ser informados sobre os rigorosos métodos de selecção da potencial matéria-prima que pasta num prado alentejano.