domingo, 28 de setembro de 2014

Um produto chamado António

O marketing político partilha a essência do marketing, sendo que a "venda" de um político ou de uma ideologia recorre às teorias e princípios que se aplicam aos detergentes, aos carros, às férias ou às calças de ganga.
Neste caso, o produto é o candidato, uma pessoa particular inserida numa plataforma partidária, uma imagem pública que se constrói sobre uma sedimentação de registos passados. 
O preço é medido como um custo psicológico. Na mente do consumidor/ eleitor o que pesa efectivamente não é a selecção do melhor mas sim a escolha do menor dos males, num contexto em que são cada vez mais dúbias as diferenças ideológicas entre forças partidárias. 
A promoção na política é por tradição feita sob a forma de propaganda, a ferramenta que historicamente mais se adequa ao canal, mas adquire cada vez mais os contornos de publicidade descarada materializada em outdoors, cartazes, autocolantes, camisolas e bandeiras. Os debates, os comícios, os minutos oficiais de tempo de antena são momentos privilegiados para o exercício de estratégias de promoção à desgarrada.
O placement, termo que nunca consegui igualar a nenhuma das palavras que a tradução lusa emprega, diz respeito à forma como o político faz chegar a sua mensagem ao mercado.
No caso concreto destas eleições primárias no PS, assumindo-se que a mensagem seria similar dado que comungam dos mesmos ideais do socialismo contemporâneo, a distinção entre os candidatos far-se-ia, em teoria, pela forma. Na prática, o que estava em causa não é a eficácia de cada um dos António's no exercício do cargo de líder de um partido, o maior partido da oposição, mas sim o carisma das personalidades que de forma pouco digna se digladiaram pelo cargo.
O António José Seguro é uma espécie de nem-nem com ar de menino mimado. O rapaz que não se conseguiu desagarrar da imagem de líder juvenil que o projectou para a ribalta, há-de ter os seus méritos e qualidades mas tem, como tantos comentam, claras dificuldades ao nível da comunicação, pela demagogia filosófica do seu discurso, pelo tom coloquial e melodramático com que se expressa.
O António Costa tem aquele ar de gajo porreiro, uma voz de barítono que se faz ouvir, tão potente que disfarça até a forma atabalhoada com que atropela sílabas e engole palavras. Dizem que é uma pessoa intelectualmente brilhante, diligente, decidido e vibrante. Por outro lado, especula-se que muita da obra feita em Lisboa, o palco que lhe permitiu brilhar enquanto marinava a estratégia de conquista do poder legislativo (a derrota do líder do próprio partido foi uma mera etapa), é mais show-off, festas e relações públicas, do que obra feita em quantidade e em qualidade.
Seja como for, neste despique interpartidário que se tornou de interesse nacional pelas consequências a muito curto prazo, tornou-se evidente que o produto António José Seguro era mais débil em conteúdo e mais pusilânime em embalagem; que o seu preço estava desajustado; que as estratégias de promoção que o foram mantendo sob os holofotes funcionaram pela falta de outros temas para preencher as horas das notícias não pelo conteúdo da sua mensagem; que apesar de ter tentado muito fazer-se entender, este líder que o não soube ser foi ineficaz na responsabilidade básica que um político tem de assumir para se converter num produto de massas: ser simpático.

sábado, 27 de setembro de 2014

Marketing do SIM, marketing do NÃO


Depois da Escócia vem aí a Catalunha, região de Espanha que se considera pouco espanhola, uma espécie sobranceira de pátria que se quer económica e fiscalmente independente por crer que financia uma oportunista e preguiçosa nação com a qual não se sente identificada.
Não obstante as razões que dão sentido a este tipo de escrutínios, as eleições pressupõem um período de campanha eleitoral que constituí um teste severo e duro à eficácia das estratégias de marketing.
Na Escócia o SIM ganhou porque apelou à emoção do eleitorado, a sentimentos que tinham a ver com a "lágrima no canto do olho", com a mão no peito aos primeiros acordes do hino nacional, com solidariedade, com sorrisos e com abraços patrióticos. O NÃO ganhou porque esgrimiu um role de argumentos racionais, por certo muito objectivos e sensatos, mas que no final ressoaram na perversa mente do eleitoral/consumidor como a entediante bula de um xarope para a tosse.
Na prática, a Apple tornou-se um ícone por apelar às sensações que nos proporcionam os seus equipamentos e não por enfatizar as enfadonhas inovações tecnológicas que tornam possíveis aqueles instantes mágicos. De igual forma é mais fácil vender um detergente para a roupa que faz as famílias felizes do que um produto químico para lavagem com uma concentração de surfactante acima da média.
A SuperBock e a Sagres disputam quota de mercado comunicando-se através de gente bonita e cool não através de provas de sabor cegas como a inolvidável prova do sabor Planta.
O marketing vende produtos através das emoções não através das suas qualidades ou características físicas, provas de eficácia ou de versatilidade.
O marketing político é apenas marketing.
Um político ou uma ideologia são produtos equiparáveis a um desodorizante ou serviço de limpeza na medida em que, na pura perspectiva do marketing, são "coisas" que alguém quer vender a um determinado público-alvo. O papel do marketing é chamar a atenção das pessoas para a existência dessas "coisas", despertando junto dos consumidores potenciais a necessidade de as ter ou de as consumir, idealmente demonstrando que a existência dos seres humanos é imperfeita ou incompleta quando tais "coisas" não são introduzidas no seu quotidiano.
Na Catalunha, a discussão do tema independência é latente, arrisco quase efervescente.
Agora que a secular vontade Catalã vai ser o best-seller dos social media e o bem de consumo imprescindível em qualquer lar espanhol, antecipo que a emoção ardente, inflamada e histriónica de neutros hermanos vai exigir dos estrategas de marketing uma capacidade cinematográfica para comunicar com paixão, elevando ao rubro o amor incondicional e indivisível à pátria-mãe ou capitalizando com sobriedade televisiva o ódio ancestral ao jugo de castela.

domingo, 21 de setembro de 2014

Eu SOU aquilo que COMPRO


Há dias, numa daquelas conversas que se vão tendo em viagem para ajudar a "queimar" os quilómetros de auto-estrada, o tema era a descida forçada do padrão de vida.
Qualquer pessoa que tenha passado pelo mercado de trabalho na década de noventa teve - ou esteve perto de ter, ou pelo menos conhece quem tenha tido - um vislumbre de uma carreira como a dos executivos que se vêem no cinema, um salário acima da média, carro de serviço topo de gama, cartão de crédito de empresa, estadias em hotéis cinco estrelas, jantares de luxo e cocktails de negócios em ambiente de festa. 
Claro que a esta distância a vida que tivemos nos parece muito mais excêntrica, mas a verdade é que no meu caso, por exemplo, o salário que auferia aos vinte e cinco anos era similar ao que tenho hoje, o que só pode significar que o meu rendimento era pornográfico no remoto ano de 1998, assumindo pelo bem da minha auto-estima e sanidade mensal que recebo nesta década o que o mercado justamente paga a uma chefia intermédia com a minha experiência e habilitações académicas.
A vida mudou para toda a gente.
Há aqueles, que antecipando o descalabro financeiro ou movidos pela mais genuína e ingénua vontade, deixaram voluntariamente cargos de direcção em empresas com nome estrangeiro, mudaram-se para um monte alentejano com a intenção de se dedicarem à agricultura gourmet ou ao turismo étnico. Estes são os que fizeram o tal downshifting que em tempos foi uma espécie de moda.
Há outros, que se viram obrigados a mudar de vida pelo acumular de hipotecas.
Em relação aos que desceram de escala sem vontade própria há padrões de negação facilmente identificáveis numa análise sociológica feita por amadores entre dois troços de auto-estrada.
Na essência, quem muda para pior sem o querer, agarra-se ao consumo como a bóia de salvação que confirma o seu status, como se as coisas que se compram e o quanto que estas valem fossem um indicador vital de personalidade.
Na prática, o marketing e as marcas, a forma como tantos produtos e empresas se comunicam. se posicionam e se apresentam com seus símbolos e significados, fomentam uma espécie de segregação social que nos classifica e estratifica num complexo e subjectivo sistema de castas nem sempre flexíveis mas raras vezes estanques.
Se por um lado, ao nível dos produtos básicos para a subsistência, já é socialmente aceite o consumo descarado de iogurtes Milbona ou de ice tea com marca de distribuição, um homem que não tenha meia dúzia de camisas e pólos da Raph Lauren é brega enquanto que o pedigree de uma mulher se mede pela marca da mala e pela genuinidade da pele dos sapatos. Tal não significa que não se possa ser chique com um básico da Massimo Dutti ou com um vestido da Primark. A diferenciação entre os uns e os outros faz-se pelo brilho e pela etiqueta dos acessórios, por todo um conjunto de adereços tangíveis ou imateriais, pela carga de eufemismos que nos descreve como seres humanos que trepam uma imaginária pirâmide de Maslow à procura de um topo inalcançável.
A nossa paranóia social pelas aparências dita regras subliminares complexas, nem sempre coerentes ou racionais.
Por exemplo, em tempos de crise, os membros de um clã de classe média-alta-assim-assim compreende que uma família se prive de umas férias em regime tudo incluído quando atinge os limites de todos os plafonds, mas tal tolerância para a moderação não concebe que gente que é gente (ou que se julga mais gente do que os demais) possa prescindir de alguns fins-de-semana na Comporta (ou em Moledo, para os do norte) ou de umas escapadelas ao Algarve no auge da época alta.
Em relação à área de residência, para a maior parte dos que se encontram no limiar do crédito hipotecário é preferível passar fome ou mendigar ajuda aos pais ou a outros membros da família, do que mudar-se para um subúrbio que fica a horas de trânsito dos bairros que servem de apelido de família aos privilegiados que neles moram. A freguesia distingue os ricos e subdivide a classe média, elevando os mais afortunados para um ideal burguês de luxo e de comodidade. O maior sinal de queda social não é a passagem de um apartamento de quatro assoalhadas para outro mais pequeno, sem suite e sem lugar de garagem, mas sim a mudança de bairro.
Da mesma forma que uma mudança de latitude significa uma transformação radical na percepção da classe social a que o sujeito pertence, também a troca de carro pode ser um sinal estridente de crise financeira, patologia infecciosa que repudia os que gravitam no mesmo ecossistema. 
Muitos dos que são obrigados a vender o carro de milhares de euros para pagar prestações em atraso, quando querem manter as aparências não escolhem um Audi A4 em segunda mão, compram um Smart. Um carro em segunda mão é sinal inequívoco de desgraça, mesmo que venha com jantes em liga leve e estofos em pele. Um Smart, pelo contrário, é um carro engraçado, uma espécie de gadget para utilização urbana, uma justificação credível para a opção por um utilitário que nem sequer é barato. 
São muitos os exemplos caricatos e cínicos que podemos encontrar nesta sociedade onde crescem os novos-pobres, aqueles que uma época gloriosa num momento da vida catapultou para um consumo esbanjador, e que agora se digladiam de forma criativa para manter a aparência sofisticada e chique que inventaram para si próprios, entre os espólios de uma riqueza fictícia e um engenhoso instinto de sobrevivência assente em cartões de plástico.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Geração nem-nem

Nem estudam nem trabalham.
Esta é a geração dos jovens que acabam os estudos, que fazem o périplo das respostas a anúncios de emprego e das candidaturas espontâneas, que com sorte até vão a entrevistas, mas que lamentavelmente, por causa da crise, por causa dos outros ou deles próprios, não conseguem ingressar no mercado de trabalho.
São cada vez mais. Muitos milhares. Para lá de 400 mil só em Portugal.
Não contribuem para a estatística de desemprego porque não tiveram ainda o estatuto de "empregado". São uma espécie híbrida, um segmento sem projecto de vida, com poder de compra limitado, um conjunto de pessoas que sendo consumidores por conta de outrem têm um interesse relativo para o marketing.
Quando terminei a licenciatura no remoto ano de 1995 o desemprego não era uma preocupação.
Não eram conhecidos casos de colegas que não conseguissem encontrar emprego ou fazer um estágio, quase sempre remunerado.
Tínhamos todos aspirações, fantasiávamos sobre a vida depois do curso como se ter um "Dr," ou um "Eng," antes do nome fosse um bilhete de acesso VIP ao universo dos poderosos e dos milionários. Tínhamos contudo a noção de que o mais provável era passar um ano a servir cafés aos seniores, a limpar o pó a pastas de arquivo e a tirar fotocópias.
Para a minha geração o primeiro emprego era uma praxe necessária, uma via sacra que tínhamos de fazer nas multinacionais que nos acolhiam, formavam e acrescentavam pontos ao curriculum vitae. Nem sempre o contacto com a vida real era uma alegria mas pelo menos saíamos para trabalhar de blazer e cabeça erguida, tínhamos um canto com cadeira num open space com plantas, luz directa e ar condicionado.
Hoje as oportunidades são mais escassas.
Concordo que ser caixa de supermercado ou vendedor comissionista são posições que não agradam a quem tem conhecimentos de estatística, de direito ou de sistemas sequenciais.
Porém, a vida tal como ela é nem sempre é fácil, justa ou agradável.
Presumo que não há ninguém que não tenha tido um momento na sua carreira profissional em que não se sentiu infeliz, frustrado ou humilhado. Os momentos em retrospectiva são dias inteiros consecutivos, que se acumulam em semanas, meses e anos... A vantagem de ter muitos anos de vida depois do "canudo" é que percebemos que o tempo relativiza todas as memórias.
O tal emprego medíocre que pensamos que duraria uns tempos prolonga-se por alguns Verões sem férias e outros tantos Natais. Esses anos de penitência inglória que tanto nos martirizam quando os vemos "por dentro" são meros segmentos de angústia imerecida quando os vemos "por fora".
A carreira que todos queremos ter raras vezes é uma progressão geométrica ou pelo menos um avançar plano sem acidentes nem percalços. 
Como li por estes dias num livro de Primo Levi ("Se isto é um homem") nunca somos tão felizes como desejamos nem tão infelizes como pressentimos.
Assim sendo, por mais amargas que sejam as perspectivas, é preferível ser a voz monocórdica num Call Center do que uma estatística monótona com nome de nada.


domingo, 7 de setembro de 2014

Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré...

Não sei se qualquer pessoa pode ser uma marca. Sei contudo que muitas empresas e organizações que se destacam são geridas por pessoas com notoriedade elevada ao estatuto de marca. Esses líderes recorrem a conceitos básicos de marketing para se posicionarem como íconicos e memoráveis.
Ocorrem-me nomes como o Steve Jobs ou como o José Mourinho, personalidades que apesar das suas imperfeições, falhas e fracassos, conseguiram edificar uma persona com carácter distinto e imediatamente identificável.
A construção de uma marca pessoal é essencial para o sucesso de um líder.
Um exemplo que daqui a pouco tempo será case study é o da incapacidade do António José Seguro em descolar-se do conceito de "commodity", por ter acreditado que muitas horas de cobertura televisiva eram suficientes para se promover como marca socialista aos olhos do eleitorado. Sucede porém que a exposição que garante que um rosto seja reconhecido na rua não é suficiente para fazer dessa figura um nome com significado.
Uma marca pessoal tem de estar associada a uma característica positiva que a pessoa seja capaz de manter de forma consistente. Um treinador de futebol só é bom se soma mais vitórias do que derrotas. Quando as vitórias são o padrão na equipa, uma derrota é percebida como um momento de azar, tem um grau de tolerância aceitável, é automaticamente esquecida se no jogo seguinte a equipa se esmera e vence com glória.
É claro que manter um nível de qualidade irrepreensível acarreta uma imensa responsabilidade, mas quem quer líder na primeira liga, tem de assumir a responsabilidade como instinto, como parte integrante da sua personalidade.
Um líder que quer ser marca tem de estar todos os dias de acordo com as expectativas que sabe que estão associadas ao seu cargo. É claro que a pressão é imensa, mas é por isso que uns são lagartixas e outros são lagartos!
Uma marca pessoal é um activo de valor inestimável, um investimento que se pode fazer render ao longo da vida, gerindo com inteligência as opções de carreira para que a maldição do princípio de Peter não nos promova ao limite das nossas capacidades.
Não percebo o suficiente de futebol para saber se a ida do José Mourinho para o Chelsea foi uma espécie de downshifting, um reposicionamento por baixo depois de uma temporada no Real Madrid em que a vida lhe corria mal. O que eu sei é que Mourinho quis voltar ao lugar onde se sentia feliz, suavizou a arrogância insolente enquanto mudava de clube, mas manteve a segurança sobranceira que o distinguia enquanto marca.
Ninguém gosta de falhar.
Muitas vezes quando falhamos somos lentos a assumir os erros, ainda mais demorados a identificar as causas.
Um líder com personalidade sabe quando chegou a hora de mudar, bate em retirada antes que as tropas sejam exterminadas, assume as culpas quando a estratégia falha.
No futebol como na vida nem sempre a sorte está do nosso lado. Mas quando a derrota é um azar repetido é sinal de que a táctica está errada.
Quando os maus momentos se sucedem é humano perder o discernimento.
Os líderes que são marcas que perduram para lá da sua existência terrena percebem quando o bom senso os abandona, despedem-se com um adeus que é apenas uma pausa, recolhem-se com tranquilidade para recarregar baterias, aceitam as críticas de forma digna salvaguardando com a menor mácula possível a marca que é o seu bom nome.






sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Os mestres da culinária...

Eu ainda sou do tempo da Filipa Vacondeus com o seu ar "supé-chique" a ensinar donas-de-casa de classe média a preparar pratos "supé-giros" a partir de restos de comida.
Ainda sou do tempo em que o Manuel Luís Goucha era um magricela discreto que também dava a sua perninha nas rubricas de culinária nos programas multi-usos da televisão pública.
Sou tão antiga que me recordo do Michel com a sua careca reluzente e pronúncia de emigra, do chefe Silva e de outros tantos cozinheiros, vulgares homens e mulheres de avental, que partilhavam receitas simples com ar banal nos raros momentos em que a comida era assunto.
Hoje, é impossível não fazer zaping entre dezenas de canais e chocar com dois ou três programas de culinária, apresentados por chefs que são uma espécie de pop stars ou sex symbols
Se há uns anos, quando a minha querida Mãezinha me quis começar a ensinar os básicos do arroz e dos refogados, recusei o desafio clamando que na minha casa toda a refeição se prepararia por passe de mágica entre o congelador e o micro-ondas, nos tempos que correm qualquer moça (ou moço) que se preze tem de ser capaz de preparar um menu degustação com dez pratos, combinando ingredientes inusitados com recurso a fórmulas de alquimia.
Ufa! É cansativo!
Vejo programas como o Master Chef da Austrália e fico abismada como enfermeiras ou marceneiros percebem tanto sobre reduções, espumas, acidulantes, brunoises, chiffonades e ratatouilles, cozinhando pratos absolutamente extraordinários sem o auxílio de uma Bimby!
A elevação das técnicas culinárias ao estatuto de artes decorativas, a transformação dos cozinheiros simplórios do nosso imaginário em chefs do tipo casual chic, coincide com uma época em que supostamente devíamos estar todos a reduzir o orçamento gasto em mercearia.
Na prática, os chefs que enchem tantas horas de televisão são apenas entertainers.
Assistimos aos programas para absorver ideias, para nos sentirmos inspirados, para nos abstrairmos do tédio que é ter de fazer o jantar sete dias por semana, até ao final das nossas vidas.
Claro que estamos a comer diferente. Apresentar um prato com bife a cavalo rodeado de batatas fritas está tão out como as botas texanas ou as calças com cintura acima do umbigo.
Qualquer cidadão socialmente ligado que se preze coloca sobre um prato de design arrojado uma porção moderada de bife ao lado de uma palete de rúcula e tomate cereja, fotografando tal instalação gráfica para oportuna publicação legendada nesse diário que é o Facebook.
Ainda hoje não consigo perceber porque os pratos com comida recebem invariavelmente mais likes do que uma música de sonoridade fácil ou um comentário oportuno sobre alguma actualidade partilhada nos feeds.
Quando Anthelme Brillant-Savarin (filósofo francês) dissertou, em pleno sec XIX, sobre a premissa "diz-me o que comes que eu digo-te quem és", jamais imaginou que quase 200 anos mais tarde uma parte significativa da humanidade andaria a revelar ao mundo a sua personalidade através de fotografias de comida.
Segundo os psicoterapeutas, no nosso subconsciente a comida é uma forma de amor.
Se assim é, provavelmente endeusamos esta forma de comer fantástica com a mesma intensidade romântica com que na nossa infância sonhávamos com contos de fada com final feliz...



terça-feira, 2 de setembro de 2014

O que tem um Banco a ver com uma borboleta?



A associação de animais a logos de empresas não é coisa nova. Exemplos clássicos são o do coelhinho da Playboy ou o plagiado crocodilo da Lacoste.
Se é verdade que todos os logos são símbolos com significado, em relação à Playboy consegue perceber-se a associação da pornografia soft ao animalzinho fofo que todos sabemos copula freneticamente. Já em relação à Lacoste é necessário googlar a história da marca para se saber que o seu fundador tinha como alcunha "o crocodilo" devido a uma aposta feita nos anos 20 do século passado relacionada com uma mala na pele deste réptil.
Desde a pré-história que os homens vêm atribuindo aos animais características humanas, logo não espanta que quando a FIDELIDADE decidiu renovar a sua imagem incorporando o perfil de um cão no logotipo, todos entendamos que a mensagem tem a ver com a segurança que nos dão os cães de guarda e com a lealdade cega que estes amigos de quatro patas devotam aos seus donos, leia-se clientes.
As características de um animal podem funcionar como uma metáfora gráfica fácil para comunicar as ideias-chave sobre um produto ou empresa. Nalguns casos essa associação é imediata noutros é críptica.
Não há muitas empresas que utilizem coelhos ou crocodilos, tão poucas quanto as que utilizam borboletas.
O exemplo imediato é o msn, que lançou o seu logo com este insecto bonitinho em 2000, explicando ao mundo que este era um símbolo de liberdade e de empowerment (como é que isto se traduz?).
A ideia que se pretendia transmitir era de leveza, sugerindo que essa coisa da internet era fácil e de certa forma libertadora.
Alguma pesquisa sobre simbolismo confirma que a borboleta é mesmo sinónimo visual de mudança, de transformação, de metamorfose. Faz sentido.
Perante isto, parece quase lógico que o NOVO BANCO tenha adoptado este ícone como imagem de marca. Sucede porém que o NOVO BANCO é um Banco, uma instituição financeira, uma entidade que tem de inspirar confiança aos seus clientes.
Em primeiro lugar, manter a associação ao BES pelo código cromático e pelas frases sentimentais acopladas à comunicação institucional, equivale à capitalização de um activo tóxico, já que, como se sabe e vai sabendo, o Banco que saí de cena é um exemplo multiplicado de poucas vergonhas e de más práticas.
Por outro lado, sendo a borboleta um ser delicado, a escolha deste símbolo no contexto em que ocorre a mudança de imagem, é mais percebido como indicador de fragilidade do que como sinónimo de metamorfose.
Por último, se é verdade que as empresas devem procurar distinguir-se pela originalidade - quem alguma vez sugeriria um logo com uma fruta dentada para uma empresa de hardware? -, é igualmente verdadeiro que num sector que prima pela sobriedade é mais sensato seguir a norma de que "as boas ideias copiam-se".
Os únicos logos de instituições financeiras com animais que me ocorrem são os do Barclays (com uma águia estilizada em forma de escudo) e do Merryll Linch (que usa um touro possante para se distinguir num meio onde o termo "bull" é utilizado para classificar um mercado em ciclo ascendente).
A predominância do azul e do vermelho nos logotipos dos bancos também não é opção aleatória. A primeira cor transmite calma e confiança, a segunda evoca paixão e força. O BES optou pelo verde por razões que desconheço.
Parece-me contudo que se a manutenção desta cor faz sentido em termos operacionais para viabilizar uma mudança rápida de imagem com o menor investimento, numa perspectiva de marketing um corte radical com o passado era opção mais lógica se o objectivo é apagar da memória colectiva o nome da desgraça e tranquilizar os clientes.