domingo, 31 de agosto de 2014

TU partilhas logo EU existo

Já se sabe que nos tempos que correm o melhor marketing é o que se faz através das redes sociais, capitalizando contactos por um custo exponencialmente mais baixo à medida que uma imagem desencadeia uma virose de cliques e likes que se espalham mais rápido do que o Ebola.
Todos sabem que assim é. Até os rebeldes que supostamente têm a mente formatada a uma cultura do século passado, vivem nas montanhas e odeiam de forma violenta tudo o que seja reflexo de um mundo ocidentalizado, com liberdade de expressão e modelos de fé branda que não requerem devoção exacerbada, derrame de sangue ou violência gratuita.
Por estes dias correram pelas redes sociais videos como o da execução do jornalista James Foley, que aumentam o protagonismo de uma horda de mercenários que defende um Estado Islâmico como nação absolutista, obcecados por um ideal de religião selvagem, cega e tirana.
Vemos estes vídeos de execuções brutais como visualizamos os dos baldes de água fria.
Sucede porém que quando a cena bárbara acaba não se vai ouvir um "corta", com o executado a levantar-se de sorriso nos lábios, sacudindo o pó das calças e piscando o olho ao carrasco de ombros largos que segundos antes lhe rasgava a carótida.
O morto transforma-se num cadáver sem dignidade que sequer retorna a casa enfiado num saco plástico. O soldado que interpreta esta "guerra Santa" continua a sua existência alucinada sendo certo que quando se implodir como mártir não vai acordar num Céu que lhe foi vendido como um harém com virgens muçulmanas vestidas de burka.
Sempre que vemos estes vídeos, sempre que permitimos que um rebelde debite meia dúzia de frases crispadas carregadas de antagónica retórica, estamos a aumentar o número de visualizações, o indicador mágico que denuncia que uma mensagem se tornou viral à escala planetária.
Eu sei que é difícil resistir à tentação.
Estamos viciados em imagens não editadas, sem cortes e sem censuras, a este acesso livre à informação, possibilidade que distingue o nosso mundo cheio de defeitos e pecados do planeta castrador onde estes fundamentalistas vivem. A nossa curiosidade mórbida dá-lhes poder, eleva a sua notoriedade, repete a sua mensagem alienada que apesar de obscura consegue mobilizar jovens insuspeitos de raiz cristã, que por tédio, por solidão ou por ingenuidade se deixam absorver pela demagogia da Jihad sem perceber que esse é um caminho sem volta.
Ignorar estes terroristas de negro não é ser ignorante.
Se formos suficientemente convincentes a fingir que os ignoramos, que não nos impressionamos com os seus métodos sanguinários e com a violência das suas crenças, vamos reduzir a sua existência ao estatuto do anonimato, combatendo a sua força beligerante com um táctica de luva branca, pacífica, eficaz e limpa.
Assim seja.




quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Marketing e um balde de água fria

O fenómeno tornou-se tão viral que ultimamente já me correm pelos feeds videos de ilustres anónimos - leia-se pessoas não famosas - a despejarem sobre si próprios baldes de água fria, verbalizando algumas baboseiras entre o sorriso nervoso e o grito histérico que ilustram tão inusitado momento.
Este fenómeno contagiante que nos leva a multiplicar os cliques pelo Youtube para descobrir que figura pública aceitou o desafio, mas acima de tudo que método extraordinário vai utilizar para que a tal banhada on the rocks seja um espectáculo, tem um propósito altruísta benemérito.
Entre tanta água gelada que se tem despejado por aí presumo que vai ficando esquecido que o motivo para tão disparatada iniciativa é um nome impronunciável para uma doença desconhecida, que ao nível da distribuição numérica corresponde aquilo que o marketing classifica como nicho de mercado.
Consta que esta corrente mediatica foi lançada por Mark Zuckerberg, que por sua vez desafiou Bill Gates, que por sua vez desafiou os nomes sonantes da TED, que por sua vez foram desafiando outras tantas pessoas que o mundo reconhece como importantes, da Jennifer Lopez à Oprah Winfrey, passando pelo Mourinho, pelo Cristiano Ronaldo e pelo Homer Simpson.
Na verdade, o mérito do Sr. Facebook foi apenas o de utilizar a plataforma que é afinal o seu quintal, para dar visibilidade à esclerose lateral amiotrófica (ou a si próprio, como promotor de tão nobre causa). O desafio do balde de água fria foi efectivamente lançado pelo atleta Pete Frates, um jogador de basebol suficientemente anónimo para manter esta brincadeira gelada como mais uma excentricidade do folclore norte-americano.
O desafio original era doar 100 dólares para a ALS Association ou tomar um banho de balde com uma água estupidamente gelada. Claro que os muito ricos fizeram ambas as coisas: a primeira porque podem, a segunda porque retiram da exposição mediatica os dividendos que lhes permitem ter dinheiro suficiente para financiarem de forma generosa muitas causas como esta e assim alimentarem a sua visibilidade, num circuito "pescadinha de rabo na boca" que tem tanto de inocência como de perversidade.
Existe mérito na intenção original e é evidente que existe alguma genuína boa-fé no coração daqueles que aderiram ao repto. Contudo, a viralidade do fenómeno transformou esta demonstração pública de filantropia num hard core fenómeno de marketing.
A base de disseminação destes videos é a velha história dos "favores em cadeia", das correntes que temos de passar a 7 amigos para não morrermos velhas e solteiras. Em relação aos mails, creio que poucas das missivas com apelo de partilha conseguem ser reencaminhadas para outro sítio que não a lixeira. Os posts do género que se publicam pelo Facebook raras vezes se propagam com uma intensidade tão notável como o Ebola.
A grande vantagem deste video é que não é lamechas (como facilmente poderia ser) nem comercial (como supostamente deveria ser). Parece uma inocente produção caseira, de seres humanos heróicos e altruístas, que se expõem ao ridículo para chamar a atenção para uma doença incurável.
Outros projectos igualmente notáveis ficam para a história do Youtube - como o Project for awesome -, mas a grande vantagem do desafio do balde é a mobilização de voluntários fixando um prazo que é curto (24 horas) para um desafio que é barato e fácil...
... ou quase fácil...



terça-feira, 19 de agosto de 2014

No reino dos peixinhos dourados...

Sou absolutamente viciada no programa Shark Tank ("O Lago dos Tubarões" - SIC Radical, todas as noites depois do Conan).
Segundo consta Portugal é um país de empreendedores, característica arrancada a ferros com as dores de tanto desemprego. 
Há uns anos, um visionário Sócrates almejou fomentar com os expedientes da "empresa na hora" uma era tão gloriosa como a dos Descobrimentos. Nasceram empresas como cogumelos (ou carrapatos) mas o rácio entre negócios que se foram criando e negócios que se fecham a cada instante, evencia como são poucos os casos de sucesso. Mais aterrador ainda é verificarmos que os projectos identificados como vencedores em capas da "Exame" ou reportagens com toque de "conto de fadas" no jornal das oito, padecem de idêntica taxa de fracasso, nem sempre com saídas honrosas dos respectivos proprietários.
Claro que esta conjuntura é uma desgraça, penalizando de forma ingrata muitos sonhos que em circunstâncias mais harmoniosas até podiam gerar dividendos.
Claro que o mercado americano é tão desproporcionalmente maior que o nosso que qualquer acordo com uma cadeia de lojas equivale à entrada directa em mais de mil pontos de venda.
Claro que aquilo é televisão por cabo, um show tão reality como o "The Voice" ou do "Big Brother", com a mesma proporção de espectáculo que exige a guerra das audiências.
Mas a verdade é que sempre que assisto a algumas apresentações, principalmente aquelas que são feitas por miúdos com sardas que era suposto interessarem-se apenas por PlayStations e Oreos, fico estupefacta com a forma clara, pragmática e simples com que se apresentam planos de negócio, como se todo o americano aprendesse no ensino primário os básicos da segmentação de mercado e do posicionamento de preços.
Os nossos heróicos descobridores trilharam caminhos nunca antes navegados por mero acaso ou coincidência. Uma grande parte dos empreendedores contemporâneos perpetua essa espontânea falta de organização lançando-se ao mar com uma rota errática rabiscada nas costas de um guardanapo. 
Já fui uma empreendedora que morreu na praia por isso posso falar sem preconceitos sobre o tema.
Os empreendedores que vou conhecendo cá em Portugal confiam que pressupostos como a intuição, a perseverança ou a fé são garante quanto baste para as suas ambições eloquentes.
Os candidatos ao Shark Tank é claro que como humanos tendem a confundir o wishfull thinking com o realisticamente possível, mas a grande piada do programa está na perspicácia com que os ditos tubarões distinguem a "pesca grossa" dos peixinhos dourados, que jamais sairão do aquário.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Life's a beach...


Por estes dias estive de férias.

Antes da partida os dias foram curtos para as imensas tarefas a antecipar; as horas tornaram-se apertadas para os compromissos que subitamente se revelaram inadiáveis; cada minuto foi contado, contabilizado e rentabilizado de forma a garantir uma pausa de sete dias sem acesso a mail e com reduzido acesso ao telemóvel.
Sim, foram apenas sete dias noutro fuso horário, sem wi-fi, num novo planeta onde não me faltou apenas a rede, mas sim todas as redes que ao longo do dia me permitem viajar para lá dos metros quadrados do open space.
No regresso, na semana adicional de férias com que me premiei (depois de três anos em que nunca gozei mais do que cinco dias úteis seguidos, dez dias de férias por gozar acumulados por cada ano de trabalho), para grande surpresa minha, não tive vontade de "me ligar".

Ando há algum tempo a readaptar-me aos horários e compromissos, como quem recupera de um inter-galáctico jet lag.

Quando nos remetemos a uma cura de sono, a uma terapia assente em petiscos, sestas à sombra e passeios pela areia, brincando infantilmente com as ondas do mar, percebemos como são longos os dias, quanto podem ser profundas as conversas, como é maravilhoso estar num sítio que fazemos nosso - apenas estar, sem agenda nem plano fixo - usufruindo de uma existência com regras subtis, que dispensa o smartphone e o ipad.
O meu regresso à vida real foi caótico, como sucede sempre, mesmo sendo este o mês em que os telefones tocam menos vezes e é reduzida a probabilidade de se marcarem reuniões estratégicas ou de receber pedidos de relatórios com mais de duas páginas.

Fiz um retiro numa praia com um número restrito de turistas, sem feeds, comentários ou gostos. Redescobri como somos mais livres e genuínos quando nos libertamos dos trajes e máscaras com que nos passeamos pelos cenários que edificamos para contar a nossa história. Confesso que não resistiria a tamanha calmaria como rotina porque o bulício e o caos latino são substâncias aditivas que me correm no sangue.

Admito contudo que há muito tempo não me acontecia esta paz de espírito tão tranquila, estado de graça apenas possível quando o tamanho do nosso mundo corresponde à extensão de uma praia...