Quando revejo algum filme de ficção científica, daqueles rodados na década de oitenta ou noventa que vaticinavam que o mundo estaria por esta altura lotado de extra-terrestres maquiavélicos, não consigo deixar de sorrir com a ironia desta imaginação profícua que facilmente nos via como robots sensíveis mas jamais como seres humanos ligados entre si pelas redes sociais.
O que aconteceu de mais extraordinário neste século que é o XXI foi que os social media se tornaram parte integrante do ecossistema. Nós não estamos nas redes sociais como espectadores ou utilizadores furtivos: as redes sociais fazem parte do nós.
Graças à interconectividade em tempo real, o momento em que as coisas acontecem é o agora, imediatamente acessível, vivido e partilhado.
Não sendo historiadora nem socióloga, o que detenho deste presente é que os consumidores são influenciados em tempo útil pelos comentários uns dos outros. Pode acontecer que eu esteja a pensar ir ao restaurante X e que, enquanto faço o trajecto, um estranho que nem sequer conheço mas que me entra pelos feeds através de improváveis ligações cruzadas, comente que a comida nesse sítio é terrível, levando-me a travar a fundo e mudar de direcção. Da mesma forma, posso estar sentada em casa a preguiçar e ver num post que a loja Y entrou em liquidação. Eu, e tantas outras mulheres que desconheço, somos assim convocadas para uma estratégia de saldos que em segundos se torna viral.
A internet que há uns anos servia para muitas coisas é agora a plataforma que serve para tudo.
Já não somos capazes de marcar férias sem consultar vários sites de viagens para comparar preços e auscultar as opiniões de outros viajantes; já não tomamos uma decisão de compra sem pesquisar as infinitas informações e comentários sobre o produto, sem pesquisar substitutos ou sucedâneos; já não circunscrevemos o nosso universo de lojas ao centro comercial mais próximo, à nossa cidade, sequer ao país em que habitamos.
Somos antagónicos, complexos e esquizofrénicos: vamos às lojas físicas ver os produtos mas depois compramos on-line; compramos em lojas físicas os produtos que previamente namoramos on-line.
A nossa resistência às compras via internet pode ainda ser justificada por questões de segurança bancária, mas o futuro que é hoje facilmente resolveu o problema criando alternativas de pagamento que podem estar no écran do telemóvel (actualmente existem 163 moedas virtuais!).
Se pensarmos nos nossos hábitos há meros dez anos, percebemos o quanto a internet mudou as nossas rotinas, em lazer e no trabalho. Continuamos anónimos mas criamos perfis visíveis que permitam aos marketeers aperfeiçoarem as suas técnicas de abordagem. Mantemos a etiqueta "Publicidade aqui não" na caixa do correio mas toleramos que essa mesma publicidade nos contacte dissimuladamente através das redes sociais.
Já nem sequer somos capazes de definir os limites da nossa vida íntima, quando fazemos declarações, partilhamos opiniões ou divulgamos fotografias da nossa família e da nossa casa, numa leviana atitude que é consciente no propósito vaidoso de nos mostrarmos.
Para bem dos consumidores estamos na era da personalização em massa, uma oferta taylor made que se ajusta às preferências e expectativas de um conjunto povoado de nichos que, mesmo não falando a mesma língua, se revelam como um grupo imenso cujo perfil é mais parecido do que o são os traços de personalidade entre familiares.
Este presente que não é o futuro imaginado, é muito mais desafiante e assustador do que o ambiente desolador em que alguns futuristas imaginavam a raça humana.
O conceito não é novo e fiquei surpreendida por este endereço ainda estar disponível. Afinal o óbvio nem sempre é uma evidência para o comum dos mortais. Confirma-se que as boas ideias, por mais banais e banalizadas, podem sempre ser usadas, recicladas, convertidas em tesourinhos deprimentes ou elevadas ao estatuto de vintage.
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