Um dos grandes defeitos que temos nós, seres humanos
imperfeitos e insatisfeitos, é uma imensa incapacidade para reconhecer a
felicidade mesmo quando esta nos entra de frente pelos olhos.
No caso particular dos portugueses, seres humanos
geneticamente propensos à angústia e à melancolia, pressentimos os primeiros sintomas
de felicidade como uma espécie de urticária ou reação alérgica, recorrendo
imediatamente aos antídotos que nivelam a ansiedade lusitana para o patamar do
“quando-a-esmola-é-grande-o-Santo-desconfia”.
Claro que queremos ser felizes, tanto como todas as outras
pessoas, de qualquer nacionalidade em qualquer cantinho do mundo. O problema é
que, enquanto para uns basta um samba e uma geladinha, para outros apenas um
metro quadrado de chão e uma esteira, nós os seres humanos deste
mundo ocidentalizado, colocamos a felicidade num universo paralelo ao real onde
os sonhos se confundem com publicidade.
Definimos a felicidade como uma espécie de “última Coca-Cola
do deserto”, como se, no cenário hipotético de uma travessia sobre areia
escaldante e Sol inclemente fosse provável que o nosso corpo desidratado
clamasse por um refrigerante com gelo.
O nosso problema com a felicidade deriva precisamente da
sobreposição dos artifícios do marketing às nossas necessidades autênticas.
Confundimos sede com “sensação de viver”, ansiamos por uma bebida mágica e não
por um golo de água transparente. Suspiramos por uma felicidade efervescente
servida com limão - porque, como diz a cultura pop, “se a vida te der limões acrescenta-lhe qualquer coisa que se
beba!”-, logo ficamos frustrados se a vida apenas nos oferece uma alternativa
simples e barata, servida sem jingle nem
Photoshop através de uma banal
torneira.
A questão do copo cheio ou meio vazio passa pois para um
plano secundário. A raiz da nossa infelicidade, da nossa felicidade assim-assim
ou de uma declarada insatisfação permanente, não está na nossa perspectiva
otimista ou pessimista sobre a vida, pois começa no momento anterior, aquele em
que olhamos para o copo e questionamos “que porcaria de bebida é aquela que
está ali dentro?”
Como os adereços que compõem a felicidade são igualmente
influenciados pelas tendências, hoje em dia o que esperamos é que o copo tenha
uma sidra de sabor improvável, um mojito
ou uma vodka com qualquer-coisa. É claro
que não avanço para a possibilidade do gin
tónico porque aí teríamos um duplo problema: de conteúdo e de forma. A
felicidade pressupõe que a vida real se adapte ao figurino, logo é inconcebível
que um gin possa ser bom se não for
servido em copo largo tipo saladeira.
Não sou hipócrita ao ponto de sugerir que o dinheiro não
traz felicidade nem ingénua ao ponto de defender como inquestionável a máxima
que apregoa que a felicidade não está nas coisas. Como profissional do
marketing seria até pouco ético afirmar que não acredito no poder das marcas ou
na força dos produtos.
O que questiono contudo, é esta nossa obsessão materialista
pela procura da felicidade na posse, mais até do que no usufruto, na coleção de
instantâneos fotográficos, mais do que na recolha de memórias, na encenação de
ideais plásticos que colamos à força sobre a nossa trivial existência.
Queremos todos ser felizes, tanto como queremos ser magros
ou ricos, confundindo até felicidade com a forma física ou com o plafond do cartão de crédito, como se só
fosse possível ser feliz quando se tem corpo de manequim e se vive sem
restrições de orçamento.
A felicidade está na satisfação de necessidades, que são tão
básicas como comida, afecto e conforto.
É impossível sermos permeáveis às provocações do marketing que nos fazem acreditar que o nosso leque de necessidades é muito mais amplo do que este, tão vasto e complexo que nos coloca numa posição em que somos incapazes de identificar ou quantificar as nossas carências. Como seres racionais dotados de um cérebro esquizofrénico que tanto apela à racionalidade como à fantasia, seremos felizes se conseguirmos distinguir as possibilidades reais dos pressupostos utópicos. Pelo menos, na maior parte do tempo...
É impossível sermos permeáveis às provocações do marketing que nos fazem acreditar que o nosso leque de necessidades é muito mais amplo do que este, tão vasto e complexo que nos coloca numa posição em que somos incapazes de identificar ou quantificar as nossas carências. Como seres racionais dotados de um cérebro esquizofrénico que tanto apela à racionalidade como à fantasia, seremos felizes se conseguirmos distinguir as possibilidades reais dos pressupostos utópicos. Pelo menos, na maior parte do tempo...