Já fui uma ávida consumidora de relógios: comprava entre um a dois por ano das colecções ditas de moda e pedi como prenda de final de curso um Pequignet, marca que muitos leigos desconhecem (falhando por isso na função de símbolo de status como é suposto com as marcas de luxo).
Hoje praticamente não utilizo relógio.
A função básica é substituída pelo telemóvel, ou pelo relógio do computador ou pelo relógio do carro; a função de acessório de
moda tornou-se supérflua ante a fobia pelas pulseiras de diferentes materiais, combinadas por cor, por coerência espiritual entre medalhas ou penduricalhos, pela combinação de materiais ou por qualquer outro subjectivo critério de vaidade.
Na minha adolescência quem não tinha Swatch estava out. Muitos dos meus amigos iniciaram uma doentia obsessão pela marca, acumulando colecções que são actualmente um inquantificável património sentimental de valor real inexplicável para quem não viveu o fenómeno.
Quem estudou marketing sabe que a Swatch é o case study de uma marca que salvou uma indústria agarrada aos predicados da manufactura tradicional e do carimbo "swiss made". Na altura, a ameaça eram os relógios digitais e Nicolas Hayek ultrapassou essa contrariedade lançando no mercado um relógio de ponteiros em plástico, que apesar de aparentemente obsoleto e pouco nobre como produto funcional, possuía uma vantagem inalcançável pela concorrência asiática: os relógios Swatch eram um produto de moda.
Num contexto em que a utilização de relógio já não é hábito entre um cada vez mais amplo segmento de consumidores, o lançamento do
i-Watch pode ser uma oportunidade para a Swatch mais do que uma ameaça.
Da mesma forma que os utilizadores que se apaixonaram pela Swatch nos anos 80 adoptaram a marca como objecto de colecção ou adereço de fim-de-semana, tendo evoluído para marcas mais caras como sinal de upgrade social ou de mero amadurecimento e consequente sofisticação nas preferências, também agora se vislumbra a possibilidade de que os utilizadores de gadgets se habituem a utilizar um adereço no pulso para consultar as horas, descobrindo o fabuloso mundo da relojoaria de moda e da alta-relojoaria de luxo.
Assim como o i-book não conseguiu substituir o livro em papel, sendo até eventualmente responsável pelo crescente interesse de consumidores pela literatura, não é líquido que as inovações que alteram hábitos de consumo ou que introduzem novas formas de consumo de um hábito, se sobreponham aos produtos tradicionais ou aos costumes de longa data.
Independentemente das intenções dos criadores, há produtos que se transformam em complementares e não em competidores.
Reconhecendo este fenómeno como vantagem, fala-se de uma parceira entre a Apple e a Swatch, de forma mais abrangente entre os executivos da indústria dos smartphones e os executivos da indústria relojoeira, para o desenvolvimento de um produto orientado para as necessidades do consumidor independentemente da tecnologia de base que o suporta.
A promessa do i-Watch é ser capaz de detectar os micro-movimentos do utilizador, fornecendo informação em tempo real que lhe pode permitir tomar melhores decisões e interagir de forma mais positiva com o meio ambiente. Curiosamente, a visão contemporânea da indústria relojoeira posiciona o relógio como uma extensão da identidade do seu utilizador, uma forma de este se comunicar e se afirmar perante os outros. Entre estes dois conceitos que se tocam poderá certamente surgir uma nova definição de produto, com benefício para aqueles que percebem que os esforços devem ser orientados para a felicidade do consumidor e não para a infelicidade da concorrência.
O conceito não é novo e fiquei surpreendida por este endereço ainda estar disponível. Afinal o óbvio nem sempre é uma evidência para o comum dos mortais. Confirma-se que as boas ideias, por mais banais e banalizadas, podem sempre ser usadas, recicladas, convertidas em tesourinhos deprimentes ou elevadas ao estatuto de vintage.
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